Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem momento,
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Ditos Aleatórios
domingo, 9 de agosto de 2015
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Epigrama n. 4 - Cecília Meireles
O choro vem perto dos olhos
para que a dor transborde e caia.
O choro vem quase chorando
como a onda que toca na praia.
Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.
O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.
para que a dor transborde e caia.
O choro vem quase chorando
como a onda que toca na praia.
Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.
O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.
Epigrama n. 2 - Cecília Meireles
És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir e, quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa: Fizeste para sempre a vida ficar triste: Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste.
Custas a vir e, quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa: Fizeste para sempre a vida ficar triste: Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste.
domingo, 1 de março de 2015
Intimidade - José Saramago
No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
Apelo
Faz-se jus do início
Da alvorada da Palavra
Tanta nuvem sempre vem
Também a tempestade que lava
Águas caem no precipício
Escondendo a luz que se tem.
De lá, o que há de se dizer?
Não há o que repetir
Não há o que acreditar
Nada há o que ouvir
Nada há o que temer
Não há o que se inspirar.
Da alvorada da Palavra
Tanta nuvem sempre vem
Também a tempestade que lava
Águas caem no precipício
Escondendo a luz que se tem.
De lá, o que há de se dizer?
Não há o que repetir
Não há o que acreditar
Nada há o que ouvir
Nada há o que temer
Não há o que se inspirar.
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
O amor quando se revela - Fernando Pessoa
O
amor quando se revela,
não
se sabe revelar.
Sabe
bem olhar pra ela,
mas
não lhe sabe falar.
Quem
quer dizer o que sente,
não
sabe o que há de dizer.
Fala:
parece que mente.
Cala:
parece esquecer.
Ah,
mas se ela adivinhasse,
se
pudesse ouvir o olhar,
e
se um olhar lhe bastasse
para
saber que a estão a amar!
Mas
quem sente muito, cala;
quem
quer dizer quanto sente,
fica
sem alma nem fala,
fica
só, inteiramente!
Mas
se isto puder contar-lhe
o
que não lhe ouso contar,
já
não terei que falar-lhe
porque lhe estou a
falar...
domingo, 18 de maio de 2014
Duas Almas - Alceu Wamosy
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...
.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
.
E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
.
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
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